Ciúme

As raízes de qualquer sentimento não partem apenas do indivíduo, mas também da sua construção no espaço social e histórico. Uma análise do sentimento de posse para com as pessoas deve respeitar esse processo para ir além do novelesco.

Falar de ciúme é falar de propriedade privada. O surgimento da propriedade remonta à época que ainda estava surgindo a divisão natural do trabalho, com homens caçando e mulheres cuidando de crianças que esses homens resolviam fazer. Em um primeiro momento, não havia qualquer hierarquia de gênero. O homem foi então desenvolvendo ferramentas e tecnologias como a agricultura, que possibilitaram a produção de excedentes. Como jogar fora bens necessários à sobrevivência nunca fez muito sentido do ponto de vista instintivo, transformou-se em um processo cumulativo, e posteriormente, de troca. Essa troca já era a forma nascente do comércio, do lucro e da hierarquia social.

O excedente, que se tornou o berço do mercado, permitiu ainda o nascimento da herança. Afinal, não vamos sair distribuindo por aí o nosso trabalho, depois de nossa morte, correto? Correto. E são os interesses de herança que trazem a formação do casamento monogâmico, dando fim ao matrimônio de grupos.

O ponto de vista do surgimento da monogamia a partir da acumulação de bens suscita uma pergunta interessante: o parceiro, dentro desse sistema, é também um bem? Sim. Porém, extremamente humanizado. A humanização do bem é o que mascara o caráter de posse da relação afetiva. Fazemos isso com namorados(as), cachorros e passarinhos. Tanto que, involuntariamente, aplicamos os queridos pronomes possessivos: meu, minha.

Para existir a construção da ideia de posse, o objeto ou pessoa deve ter um valor útil ou emocional. Ele deve sanar um problema ou uma situação emocional e sexual problemática. A pessoa parceira monogâmica dá vazão a sentimentos de carência e solidão peculiares, até que se torna um objeto para saciar os mesmos. Assim que fica estabelecida sua função, o ciúme entra em cena.

Só há um modo de não abrir mão de sua matéria prima sentimental: diversificar os fornecedores. Os interesses emocionais de cada um podem mudar de público, fechar para balanço, etc. É o velho ditado de não guardar seu tesouro em um único cofre. A pessoa que acredita que o capital emocional investido nela diz respeito a ela e não ao outro, trata o afeto como um resultado das boas transações por si estabelecidas e do investimento pluralizado. O mercado é de risco, o emotivo é flutuante e nenhum negócio é infinitamente próspero.

Vejo vocês na Bolsa e desejo bons investimentos. ;)

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