Grito sem vocativo

Sob um pano vagabundo, atrás de um véu discreto, podemos encontrar os sentimentos mais incríveis. Sei disso porque já andei por aí fabricando muitos deles, travestindo maravilhas. Maravilhas pessoais, daquelas que não interessam a ninguém ou causam apenas pena. Já tive sentimentos transformados em poemas, em presentes, em indiretas, ora, quem não? Mas essas não são demonstrações, são maquiagens. Meticulosamente organizadas para disfarçarem a beleza natural que as caracteriza. Mas, em certo momento, os poros precisam respirar. Acordar em uma cama confortável e ser simplesmente quem são. Parar de brincar de pique-esconde com a vida.

 

Os sentimentos permanecem em segredo, como se fossem, sozinhos, melhor compreendidos. Hoje ainda não é o dia. Não é o minuto. Provavelmente ainda nem é o ano. A verdade é que não tenho perspectiva alguma de quando poderei entregar no devido endereço uma carta a esse respeito. Uma carta que seja mais limpa que minhas trapaças e minhas negações. Por enquanto, ainda é secreto. Um segredo sem nenhum cúmplice. Mas um segredo que, por um breve minuto, pôde gritar de sua cela. Um berro sem nomes, com medo de ser atendido.