Do como se categorizar paixões (24/03)



No mundo grego, apaixonar-se sempre foi considerado algo negativo. Segundo a concepção grega, apaixonar-se por algo é portar de uma cegueira, na verdade uma bitolação, caracterizada pelo esquecimento das coisas essenciais da vida, para entregar à ilusão o que deveria portar à razão, fragilizando a pneuma¹. Spinoza, em seu livro "A ética", categoriza as paixões em dois tipos especiais: As paixões tristes e as paixões alegres. Em um primeiro momento, pode parecer difícil separar essas duas, pois apesar de triste, a paixão triste tem a mesma força "hipnotizante" que a paixão alegre possui. A paixão triste (e é de praxe minha começar com ela) é aquela na qual um desejo é ancorado num objeto de forma maníaca, em situações que nos façam perder potência. Um sapo que canta apaixonadamente para a lua, pois a considera bela e magistral, é uma paixão triste, pois é do sapo achar que a lua está acima de suas capacidades, e que diante dela ele é impotente. Assim o é apaixonar-se por alguém.

Segundo Spinoza, todas as coisas são manifestações d'A substância. Tudo que existe no universo é a substância e nada mais. Quando estou conversando com você, sou parte da substância que se comunica com outra. Portanto, na concepção universal de Spinoza, você não deve se sentir abaixo de Nietzsche, pois ambos fazem parte da mesma essência, mesmo que colaborando de diferentes formas para a formação do universo. É dessa idéia de "parentesco com todas as coisas" que nasce a idéia de paixão alegre. Tudo o que um humano pode sentir está dentro dele, e não fora. Segundo Nietzsche, o desejo existe independentemente do objeto. Portanto, ao se apaixonar por uma pessoa, você não está se apaixonando exatamente por ela (objeto), mas sim pelo sentimento que você tem por ela. A sociedade hedonista atual nos ilude a pensar que precisamos de coisas, quando na verdade precisamos da sensação.

Ter uma paixão alegre é ter a plena consciência que ela faz parte da mesma substância que te forma. Em exemplo prático, uma paixão de um bailarino pela dança poderia ser uma paixão alegre, contanto que ele estivesse sempre apto a praticar-la. A dança faz parte dele, é pedaço dele, não está acima, nem abaixo dele. Uma paixão alegre é sempre sincrônica e ressonante. Ela sempre rebervera e é notada. Apaixonar-se por uma pessoa de forma alegre, seria admitir que ela é tão humana (substância) quanto você. É apertar-lhe a mão e fazer um trato, de que mesmo ambos conhecendo onde erram ou não, que andarão juntos. Ilusões de perfeição, de que a pessoa é única em sua vida, de que ela é insubstituível, são fatores que geram a paixão triste (porque pra você, sapo, a sua paixão é a lua). É por isso que o romantismo alemão do século XVIII se tornou um grande gerador de paixões tristes, estragando e dando distorpia à ideia de amor. Mas do romantismo eu falo em outro post.... :)

¹- O termo "pneuma" é utilizado pelos gregos para se referir ao que conhecemos atualmente como "Alma". Analogicamente, o termo "soma" eles designavam para o que hoje entendemos como "corpo". Como quero evitar a invasão de metanarrativas (inclusive a cristã, que nos trouxe a ideia de corpo e alma) no que vou escrever daqui em diante, sempre usarei esses dois termos quando for me referir a corpo e alma, como queiram entender. =)

Lucas de Azevedo.