Uma parte de nós (23/09)

23 de setembro. Para você, um dia normal. Vai trabalhar ou estudar. Vai assistir um filme, ler um livro ou jornal. Vai se ocupar de coisas e de alguéns. E vai dormir tranquilo, numa véspera de sexta-feira. Hoje, 23 de setembro, num país chamado Alemanha, uma grande amiga, dos tempos de inocência, perdeu o filho que carregava no ventre. Avisou-me por e-mail. Chorou, em palavras curtas, um luto novo. E mesmo fazendo algo como 4 anos que não nos falávamos, fez questão de me contar a perda de algo tão importante. Houve o tempo que trocamos brincadeiras, que trocamos sorrisos. Houve o momento que me disse, carinhosamente, que batizaria de "Lucas" o seu primeiro filho. E hoje, depois de ler esse aviso, compartilhei do seu sofrimento. Eu perdi uma parte dela e ela perdeu uma parte de mim.



Lucas.

Sobre a menor distância entre pontos destintos (13/09)

Às vezes a distância não é apenas uma questão de ponto de vista. Às vezes, é de ponto de tato. De ponto de olfato. De ponto de audição. É acima de tudo uma privação de todos esses pontos, uns mais, outros menos. E, ainda às vezes, esses pontos são tantos que se tornam retas.



Lucas.



70% cacau (12/09)

Leveza temos que ter neste momento que não damos conta de nós mesmos. Não no florescer das lágrimas da maior dor que nos existe, mas no momento de sanidade, a sanidade culpada e vazia que nos encara. Queria me vestir a caráter do meu caráter. Descartar-me de mim mesmo, tirando as peças de roupa que as esperanças alheias me vestem. A completude vazia de uma folha em branco me é, nesse momento. Nego qualquer ethos que minhas palavras respirem. Qualquer saliva seca que meus olhos demonstrem. Não quero mais respirar fragmentos das memórias que me encurralam. Um dia, há de haver, e haverá, a vingança das experiências que trouxeram força e resistência. Um dizer não. Um enfraquecer de tão forte. E quando essas lágrimas finalmente descerem pelo rosto seco por costume, pelos lábios molhados por uma sensação tão nova, mas tão velha, renderei-me a mim mesmo e tudo aquilo que levantou o cimento de minhas veias. Sentirei saudade daquela fragilidade inocente que chamei de lar, que chamei de chão. E darei boas-vindas à amargura do café que resolvi ter como refeição. Desculpe, Mundo meu, se as costas que te virei são tão rudes que parecem reais. A verdade é que a falta da cor que carrego comigo é o preço do esforço que, involuntariamente, assumí.



Lucas.



Ser Artificial (09/07)

Ter um jardim só pra que elogiem as flores. Lutar pelos direitos das minorias e estacionar na vaga de idosos. Usar terno na reunião, pra disfarçar a regata. Rezar pelos pobres e virar a cara quando eles limpam o vidro do carro. Oferecer o doce e torcer pra que não aceitem. O pedaço de hipocrisia que damos, ou vendemos ou alugamos a preços módicos. Que tal andar de carro todo dia sozinho quando se luta pelas causas ambientais? Que tal defender a vida e fabricar estofados de couro? Um suco de limão bem azedo que colocamos açúcar. Uma latinha de refrigerante light. As palmas do parabéns a você. Foi um prazer te conhecer. Também te amo. Te ligo amanhã. Juro que dessa vez eu ligo. Li Dosteivski.



Lucas.