Gramática da vida privada
Era a segunda vez que aquele artigo e aquele substantivo se encontravam. Barzinho, pouca luminosidade, sinucas ao fundo. Entreolharam-se e logo rolou um hibridismo, se preposicionaram e em conjunção foram direto ao banheiro, vazio naquelas quartas-feiras. O artigo, bastante feminino, com um aspecto plural, extremamente definido. E o substantivo, aquele danadão, não derivado ou simples, mas sim composto, com toda sua flexão de gênero. O substantivo, apressado, delirando por uma sintaxe e vendo que não havia ninguém por perto, mostra todo o poder do seu adjunto adnominal, fazendo o artigo se sentir quase um vocativo. Estando lá os dois, construindo a voz ativa e a voz passiva, fazendo a métrica e a rima fluírem em uma colocação pronominal perfeita, surge um barulho ao longe. E de repente o banheiro é invadido pelo aposto do bar. Quando o aposto estava pronto pra soltar a maior quantidade de adjetivos e orações adjetivas reduzidas para acabar com todo aquele parêntese dos dois, ele olhou maroto para as curvas deslumbrantes do artigo, e o substantivo, ao perceber isso e notar que é melhor repartir do que quebrar o verbo de ligação, logo sugeriu que eles fizessem uma sintaxe-a-trois. Então o aposto, que não ia perder essa oportunidade, por meio de uma oração coordenada mostrou que seu adjunto também não era brincadeira. E depois de toda essa ligação metalingüística, o aposto disse ao substantivo que não se preocupasse que a interjeição não voltaria a ocorrer, e que a regência que ele tinha bebido mais cedo era por conta da casa. O artigo tratou de colocar todos os seus ligantes de volta, apanhou quatro ou cinco numerais que o substantivo tinha lá deixado e saiu do bar, cabelo desarrumado, vestido mal colocado, sorriso e acento no rosto.
(texto de 2007 que eu resolvi reciclar ;)
Lucas.
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